quarta-feira, 8 de junho de 2011

Crítica: X-Men - Primeira Classe

X-Men: First Class (EUA, 2011), dirigido por Matthew Vaughn, escrito por Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn, Shledon Turner e Brian Singer; com James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon, RoseByrne, Oliver Platt, Zoë Kravitz, January Jones, Nicholas Hoult, e outros.

Em X-Men: Primeira Classe, o mundo ainda não tem o conhecimento da existência de indivíduos mutantes, e parte do frescor que dá um novo gás à franquia (em vista do decepcionante X-Men Origins, a exceção à regra) se dá justamente por presenciarmos esse momento, no qual a maior parte dos mutantes ainda não sabe da existência de seus semelhantes. Então, por vezes, os personagens demonstram surpresa ou perplexidade diante da aparência e capacidade especiais de um outro mutante, com frequência se referindo aos humanos como pessoas "normais" ou expressando algo do tipo: "achei que eu estivesse sozinho". E é através dessas, e de tantas outras situações equivalentes, que X-Men consegue mais uma vez traçar um paralelo interessante com a nossa sociedade ao desenvolver os conflitos e angustias sofridos por quem faz parte de uma minoria, geralmente excluída e vítima de reações agressivas e fóbicas.

Escrito a oito mãos e quatro cérebros (o que em geral é um péssimo sinal, mas aqui deu certo), o filme é um prequel (pré-continuação) que nos conta os primórdios dos X-men, narrando fatos que antecederam em décadas o que já vimos nos três primeiros filmes (excluíndo X-Men Origins da conta). Após a defesa da sua tese de pós-graduação em Oxiford, o jovem mutante Charles Xavier (McAvoy) é encontrado pela agente da CIA, Moira MacTarggert (Byrne), que, investigando questões relacionadas a Guerra Fria entre EUA e URSS, deseja ter mais informações sobre mutações genéticas e as suas suspeitas da existência de espécies humanas evoluídas. Nos rastros de um grupo de mutantes liderados por Sebastian Shaw (Bacon) - que deseja causar uma grande guerra nuclear -, Charles conhece Erik Lehnsherr (Fassbender), com quem cria um forte laço de amizade. Os dois decidem então, com a ajuda da CIA, recrutar outros mutantes para lutarem contra Shaw, mas os planos de Erik estão mais voltados para a vingança do assassino de sua mãe, que por sinal, é o homem que eles estão seguindo.

Conseguindo ser ainda mais inteligente e maduro que seus antecessores, X-Men: Primeira Classe insere de forma orgânica e coerente na sua trama o evento histórico ocorrido no ano de 1962, denominado "Crise dos mísseis de Cuba", em que a URSS levou armamentos nucleares para o país caribenho em resposta à ação dos EUA de instalar seus mísseis nucleares na Turquia. Logo, na versão do filme, são os mutantes ligados a Sebastian Shaw que instigam o sério desentendimento entre os dois países, numa ótima arquitetura de fatos reais e fictícios desenvolvida pelos roteiristas - e a utilização das declarações oficiais do ex-presidente John F. Kennedy foram igualmente eficientes ao tornar essa "versão" dos fatos o mais verossímil possível.

Mas o longa não conta apenas com uma ótima trama, o desenvolvimento de seus personagens continua afiado e isso se deve não somente ao roteiro, mas ao trabalho de direção do ótimo Matthew Vaughn (responsável pelo divertido Kick Ass: Quebrando Tudo), que primou pelos momentos singelos em contraponto às cenas de ação. Dessa forma, continuamos a constatar os dilemas vividos pelos personagens mutantes por possuírem algo que os diferenciam do restante da humanidade, seja uma aparência peculiar ou os dons geneticamente herdados - e a jovem Mística (em ótima desempenho de Jennifer Lawrence) é a personagem que sofre o maior conflito entre ser ela mesma, com aquilo que lhe é peculiar (corpo azulado e escamoso), ou tentar ser outra pessoa capaz de facilmente se encaixar entre os humanos: com a capacidade irônica de se transformar em qualquer outro indivíduo, a personagem (em contraponto a sua versão adulta: segura e sensual) é insegura e passa maior parte do tempo em forma de uma bela moça humana, tentando esconder sua verdadeira natureza por conta da vergonha e por ter incutida em sua mente uma idéia equívoca de normalidade e beleza. A personagem, portanto, pode ser facilmente comparada, por exemplo, a um homossexual que, violentamente atacado por uma sociedade preconceituosa (ainda é, veladamente), tende a reprimir aquilo que lhe é natural e inerente.

Assumindo o arco narrativo mais interessante do filme e substituindo a função de Wolverine como o personagem irreverente da trama, Erik Lehnsherr (ou Magneto) finalmente tem seu passado revelado, e podemos ver com maior exatidão o que o levou a se opor radicalmente à idéia de uma convivência pacífica com a humanidade: as duas seqüências iniciais são hábeis em nos mostrar o trauma e ódio provocados pelos nazistas nele ainda criança. Contrapondo fortemente a jornada de vingança de Erik, Charles Xavier surge como um jovem vivaz e enérgico que, com uma vida resumida em estudos e paqueras, pouco nos lembra aquele senhor introspectivo de outros filmes, mas mostrando os mesmo traços de ponderação e sensibilidade que o torna capaz de assumir o importante papel de líder, além de sua inteligência e sagacidade que é determinante, por exemplo, ao ajudar cada um dos mutantes a utilizar seus poderes de forma criativa ou ao pensar rápido, sempre que necessário - e gosto, particularmente, da atuação de James McAvoy com seu jeito nerd descolado. Mas as atuações de maior destaque do longa são de Nicholas Holt e Kavin Bacon. No papel de Fera (ou Hank McCoy), Holt consegue imprimir com talento o jeito completamente tímido, numa caracterização exata de um indivíduo que não aceita a si mesmo; enquanto Bacon, com um personagem que pode injustamente ser acusado de caricato, imprime uma segurança absurda em seu vilão, que nos leva realmente a temer pelo pior.

Outro aspecto que inegavelmente fascina são os poderes de cada um dos mutantes, que, seja através de momentos descontraídos - como o instante em que os jovens demonstram suas habilidades - ou nas cenas de ação, conseguem entreter pela forma sempre criativa e funcional com que são utilizados. E graças a equipe de efeitos especiais, cada demonstração de poder surge realmente convincente, falhando apenas em instantes pontuais, como o momento em que um submarino e o Black Bird caem numa praia de Cuba, onde a imagem surge visivelmente computadorizada. Por outro lado, Matthew Vaughn faz um interessante trabalho na composição de seus curiosos planos, como a imagem evocativa de uma moeda nazista alemã ensanguentada, e o momento em que a câmera gira pelo corpo de Mística numa exaltação de sua peculiar beleza ou, na cena que se passa em um banco, o quadro em que vemos um banqueiro e apenas o reflexo de Magneto na barra de ouro em cima da mesa entre os interlocutores. Mas é com a ajuda de um dedicado design de produção que o filme consegue nos transpor para os anos 60 com facilidade através dos figurinos e cenários típicos de cores fortes, além, é claro, da montagem que utiliza transições de imagens e passagens de tempo divertidas - e que no ato final, empregam um ritmo crescente de tensão.

Mas X-Men: Primeira Classe não se esquece de ser coerente com os outros filmes: respostas são dadas com o devido cuidado, como as razões que levaram Xavier a criar a escola para mutante, sua paraplegia ou o porquê dele e Magneto terem se afastado ideologicamente - e se prestarem atenção, verão que o tradicional jogo de xadrez entre os dois personagens continua pontuando os seus confrontos ideológicos. A relação entre ambos, aliás, é o ponto central da narrativa, já que a amizade dos dois é desenvolvida com cuidado até o momento de sua cisão, mas justificando convincentemente o carinho que eles continuarão a expressar muito tempo depois - basta presenciarmos o mais comovente momento do filme, em que Xavier consegue recuperar uma alegre memória perdida de Erick, para entendermos a importância de um para o outro.

Quando soube que o novo filme da franquia seria um prequel a respeito da primeira classe dos X-Men, mostrando a juventude de algumas daquelas figuras já conhecidas, fiquei absolutamente cético. Mas os mutantes do Professor X provaram mais uma vez que seus filmes continuam sendo um excelente entretenimento para adultos, mesmo quando povoado por protagonistas novinhos.

Cotação: Excelente

6 comentários:

  1. Caio, gostei do filme também. X-Men é uma das melhores franquias do gênero pela facilitado com que consegue refletir a história em contextos atuais. Mas nesse, já não senti tanto isso. Talvez seja pela coisa toda da situação dos mísseis de cuba serem já bem batidos.

    No entanto, discordo do que tu falastes sobre o Magento suprir a irreverência do Wolverine. Acho que é o próprio Xavier que faz isso.

    Já o Kevin bacon, gostei dele sim, cumpriu a função dele. Li em algum lugar que o Vaughn tinha se inspirado em duas franquias que ele considera bem sucedidas em se manter modernas: 007 e Star Trek. Ambos dos anos 60, Star Terk sempre foi muito eficaz em relacionar seu conteúdo com qualquer tempo que se assista e 007 é um ótimo panorama da Guerra Fria. Não à toa o Kevin Bacon age, gesticula, fala e etc. como um vilão de 007. E mais, McAvoy tem o humor de um James Bond (nos anos bons) e o Magneto fica responsável pelas coisas mirabolantes que só o 007 fazia. Mas aí fica faltando uma das melhores coisas de qualquer filme de James Bond, a Bond Girl. Até que a Rose Byrne (que eu adoro) tem a inteligência e toda aquela coisa de "agente especial da CIA que poderia ser inimiga, mas não é", mas sei lá, falta alguma coisa.

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  2. Pedro, acho que o que faltou pra Rose Byrne foi uma pele de Bond Girl, não?! rsrs
    Mas interessante todas essas comparações, até porque o filme tem bastante essa essência dos anos 60. Mas, sendo sincero, eu nem cheguei a perceber esse aspecto. Talvez porque eu ainda não assisti a tantos 007 quanto eu deveria. E faz todo o sentido. O filme tem, inclusive, toda aquela variedade de locações e tal.

    Tô indo assistir novamente agora. Vou prestar atenção nisso.

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  3. eu gostei muuuito do filme, mas como ex-leitora de x-men não pude deixar de reparar umas coisinhas que me incomodaram: a história do fera não é bem aquela mostrada e a moira era geneticista, colega do xavier na pós, foram namorados e tal. por algum motivo, que não entendi pq, eles me apresentam uma moira agente da CIA. tipo nada a ver com nada e se tivessem mantido o perfil original dela, nada teria mudado na construção do filme.

    em relação a amizade do magneto e do xavier, é bem aquilo mesmo. hoje, eles são ideologicamente arqui-inimigos, mas mantêm esse laço do passado resguardado, tanto é q qdo se esbarram, se tratam como 'meu caro erick, meu caro charles' e eu acho isso o máximo entre eles. tbm gostei muito de como os atores encarnaram o professor x e o magneto. foi na medida certa.

    adorei o kevin bacon, eu adoro ele fazendo vilão pq ele meio que tem cara de vilão, e por ser quase um dom natural,haha, a vilania dele nunca é caricata. penso eu.

    enfim...
    esse filme, assim como os outros da franquia, são blockbusters. não é um filme só pra fãs do quadrinho, mas pra entretenimento de modo geral. o que me faz entender algumas opções tomadas na narrativa e tbm na própria estética do filme.no entanto, esse elementos em nenhum momento ofuscaram a narrativa. a situação de guerra, o embate final na ilha de cuba, aquelas cenas com as explosões dos mísseis no ar, aquele gancho de tensão qdo as duas nações se voltam contra os mutantes, tudo isso envolve um público heterogêneo, desde o leitor fiel da marvel como um brucutu que adora Duro de matar e Rambo. haha
    é um filme que prende tua atenção não só por esses elementos, mas tbm pela trajetória dos personagens muito bem apresentados. eles te envolvem.

    outro dia eu tava vendo transformers e eu percebi que a história é legal, é uma idéia interessante. a gente aceita alien, seres kriptonianos, máquinas da matrix, pq não aceitar robôs alienigenas? haha

    enfim, mas o pecado de transformers é justamente esse: eles se prendem muito aos combates e aí vem as explosões, as lutas megalomaníacas que vão destruindo cidades, prédios, coisa e tal em detrimento da narrativa. não é que a história não seja contada, mas é contada sem a profundidade necessária.

    bom, mas isso já é outro filme. hahaha

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  4. Poly, é isso mesmo. X-Men é um grande exemplo de entretenimento inteligente e de qualidade. Mesmo que tenha ação, dinamismo, a inteligência do roteiro é inquestionável, o tempo que eles passam trabalhando os personagens e a relação entre eles é muito grande, e as temáticas são trabalhadas com muita sensibilidade.

    Transformers é o contrário: só ação e pronto. Até a história, discordando de ti nesse ponto, é ruim e bobinha. Os personagens são caricatos e bidimensionais.

    Quando assisti ao segundo Tranformers, pensei que não aguentaria, torcia pro filme acabar logo. Michael Bay deveria, sei lá, receber uma multa por "infringir" técnicas de uma boa montagem. rsrsrs

    Já Alien e Matrix, ao meu ver, são ficção científicas tão boas quanto como X-Men. A diferença é que Alien já é um clássico, e Matrix tá caminhando pra isso.

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  5. Transformers tbm veio de um quadrinho. outro dia tava fuçando na net e descobri que tem um filme q é de 87 ou 97, não sei bem. fiquei curiosa pra ver como foi feito. o q eu tô dizendo é q a história não foi bem trabalhada nos filmes.
    Por exemplo, eu tava ansiosona pelo filme do wolverine, pq ele tem uma trajetória de vida legal, mas aí o filme foi uma bosta ( perdão pela expressão chula). enveredou por um lado do wolverine que na verdade nem existe no quadrinho. wolverine é bad guy, cara, e não paga de gostosão, como o hugh acabou fazendo.
    pois bem, voltando pra transformers faltou profundidade na trama pra sair dessa caricatura exacerbada dos personagens.


    eu não conhecia a história, vendo o filme é que fui atrás de mais informação, achei quadrinho pra baixar e tal. foi mergulhando nesse universo q tem muito mais coisa que o filme não revela. aca sendo uma injustiça com a história, mas concordo plenamente contigo: o produto filme é pura ação, não dá um break pra gente respirar e entender o que se passa.

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  6. Poly, a Moira com certeza virou agente da CIA pq, nao fosse desse jeito, nao ia ter nenhum americano no filme. Mas detalhe, Rose Byrne (q insisto, amo!) é inglêsa. E sim Caio, comentei com Henrique no cinema, pq não deram um jeito na pele da Rose Byrne? O Que é aquela espinha nascendo no meio da testa dela qnd ela entra na casa de stripper, outro mutante?

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