terça-feira, 21 de junho de 2011

Crítica: Namorados para Sempre

Blue Valentine (EUA, 2010), dirigido por Derek Cianfrance, escrito por Derek Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis; com Ryan Gosling, Michelle Williams, Faith Wladyka, John Doman, Kike Vogel, e outros.

Namorados para Sempre críticaAmor e paixão são temas recorrentes em todas as formas de arte, e por serem excessivamente vítimas de estéticas rasas e abordagens formulaicas, sofrem muitas vezes reprovações e são vistos como produtos de puro entretenimento e consumo rápido, o que é bastante compreensível. No entanto, este Namorados para Sempre pode ser entendido de várias formas, menos como um entretenimento romântico para o dia dos namorados, como foi propagandeado pela péssima publicidade do filme no Brasil: profundamente melancólico em seu ponto de vista, o longa de Cianfrance se trata de uma experiência dolorida que expõe com crueza e amargura os contrastes entre a crise que precede o final de um relacionamento e os nostálgicos instantes em que essa relação se formou - e tenho a impressão de que aqueles que forem à sessão acompanhados de seus parceiros ou cônjuges sairão possivelmente desesperançosos de um longo futuro para suas relações. Então, não há como interpretar a utilização dessa versão brasileira do título do filme que não seja como sendo unicamente para fins publicitários - e, portanto, enganosos.

Escrito pelo próprio Derek Ciafrance, com a colaboração de Cami Delavigne e Joey Curtis, os dez primeiros minutos de Namorados para Sempre nos apresentam ao casal Dean (Gosling) e Cindy (Williams) que, agindo e interagindo nesse curto espaço de tempo sempre em função de sua filha Frankie (Wladyka), nos sinalizam de antemão o distanciamento emocional entre os dois personagens: eles trocam apenas os diálogos essenciais, demonstram sutil incômodo um na atitude do outro e não expressam uma manifestação de carinho sequer. A partir daí, a narrativa se concentra em nos mostrar as dores sofridas por esses dois personagens ao constatarem o desmoronamento de sua relação, enquanto que flashbacks (ou uma narrativa paralela, já que as duas linhas de acontecimento são igualmente relevantes) apresentam os doces momentos que fizeram surgir a ligação que, agora, está em rompimento.

Apostando no realismo das imagens e na urgência com que os personagens em suas crises são buscados pela câmera, o filme se faz um drama real e convincente, trazendo consigo o estilo do próprio cineasta que tem a maior parte de sua filmografia voltada para o documentário. Se beneficiando justamente por contrapor as circunstâncias radicalmente diferentes, Namorado para Sempre acrescenta às cenas que nos mostram as crises e os desentendimentos conjugais uma melancolia e um saudosismo lamentoso que só seriam possíveis através dessa comparação entre o início do namoro e os momentos finais do casamento - funcionando de maneira semelhante ao sofrido processo emocional vivido por casais que, ao descobrirem que o sonho de uma vida a dois está chegando ao fim, têm de passar pelo exercício profundamente doloroso de se conformar com a morte daquela esperança, daquele plano de vida e daquele amor, enquanto se recordam compulsivamente dos bons momentos. Por outro lado, penosa também é a insistência em salvar uma relação já desencontrada quando as duas pessoas estão repletas de mágoas e frustrações, e é isso o que mais dificulta as chances de um entendimento entre os pares.

Sem informar o tempo que se passou entre o passado e o presente representados, Ciafrance busca a máxima discrição ao contar apenas com as imagens e os cortes sem a interferência de letreiros ou transições forçadas que nos despertem para o caráter ilusório do filme. Além disso, ele preserva esse lapso ao não nos mostrar o que aconteceu entre o início e o fim do namoro e nem explicar em detalhes o que levou o casal àquela situação, o que se revela uma escolha super adequado, já que o objetivo do filme não é mostrar o que leva uma relação ao seu fim, mas explorar e refletir sobre esse difícil momento.

Mas Namorados para Sempre provavelmente não teria dado certo se não fossem as grandes atuações de Ryan Gosling e Michelle Williams: íntimos e entregues aos seus papeis, os atores surgem envoltos de uma química admirável e parecem realmente estar apaixonados nas cenas em que o casal ainda está se envolvendo; da mesma forma, surgem cansados, carregados de sentimentos e rancores nos momentos em que estão buscando resgatar a relação, como se um longo passado estive entre os dois - e se Gosling consegue criar um Dean carismático, carinhoso, brincalhão, impulsivo e excessivamente descomprometido; Williams mistura a sua vulnerabilidade (presente desde os tempos de Dawson's Creek) à frieza, distância e seriedade de uma mulher que perdeu a admiração por seu marido em algum momento da jornada que foi o casamento. Acontecendo nos olhares dos personagens durante os pequenos e significativos desentendimentos, o filme é escrito tanto pelos seus atores quanto pelos autores, já que o modo documental parece ter dado a liberdade para os atores improvisarem livremente - a rejeição de Cindy a Dean, por exemplo, pode ser constatada em diversos momentos do longa graças ao talento de Michelle Williams, que consegue expressar um sentimento de indesejada repulsa ao marido.

Tecnicamente bem produzido (apesar do baixo orçamento), Namorados para Sempre conta com o discreto, mas coerente, trabalho de Grizzly Bear, que compôs uma trilha sonora simples, moderada e eficaz - ao contrário da fotografia de Andrij Parekh, que utiliza recursos importantíssimos para a compreensão da atmosfera vivida por aqueles personagens, como a curta profundidade de campo (em outros termos: o fundo muito embaçado, com o foco da lente no personagem) e planos geralmente fechados, onde a câmera se mantem próxima aos rostos dos personagens nas sequências que se passam no presente destes: cria-se, assim, a impressão de uma incômoda e sufocante proximidade àqueles indivíduos, sugerindo exatamente aquilo que Dean e Cindy estão sentindo na presença diária um com o outro nessa relação desgastada. Inversamente, a profundidade de campo é maior nos flashbacks (ou seja, mais espaço de nitidez), assim como a câmera mantem relativa distância dos personagens, trazendo-nos a impressão de distanciamento, uma vista pouco íntima, semelhante àquela tida pelo casal quando ainda estão se conhecendo.

O filme, porém, não deixa de retratar situações típicas e irônicas das mudanças que ocorrem em um relacionamento, como as diferenças que antes atraiam, mas agora repelem e criam a distância entre os personagens: por exemplo, o bom humor e graça de Dean foi o que conquistou Cindy, mas também o que anos mais tarde a afastou, já que as constantes piadinhas e brincadeiras do rapaz passaram a ser irritantes para ela. Em outro momento, Dean, ao saber da morte do cão de estimação de Frankie, não exita em pôr a culpa em sua esposa, soltando apenas a frase: "quantas vezes falei pra você trancar a porta", em uma demonstração da agressividade que permeia a relação - e foi a frustração provocada pela morte da cachorra Megan que parece ter sido o gatilho que disparou os sentimentos de desesperança e insuportabilidade nos personagens. De alguma forma, percebo que o filme de Ciafrance tem registrado em si a atual realidade de uma certa desvalorização da figura masculina no ambiente familiar, seja através da rejeição que Cindy passa a ter por Dean ou sobre a própria visão do diretor a respeito das falhas deste último. Mas Divago.

Com uma visão triste e pessimista sobre relacionamento, todos os casais em Namorados para Sempre tiveram o mesmo triste fim - os protagonistas, inclusive, são filhos de casais que não deram certo -, da mesma forma como a morte é uma constante, seja a de um corpo físico, a da presença ou a de uma relação. E ao unir o início e o fim de um casamento, o cineasta e seus atores compõem uma obra sobre as dores e dificuldades de uma separação, e nos faz perceber o término de uma relação mais ou menos como os sonhos bons que gostaríamos que não acabassem, enquanto despertamos e descobrimos que eles já acabaram. Essa é a dor do fim.

Cotação: Excelente

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