domingo, 12 de dezembro de 2010

Crítica: Mary e Max



crítica Mary e Max
Mary And Max (AUT, 2009), escrito e dirigido por Adam Elliot, com Tony Collette, Philip Seymour Hoffman, Eric Banna e Barry Hamphries.


Focado na profunda relação entre os dois protagonistas-título, Mary e Max se estabelece logo em seus primeiros minutos como uma animação voltada para o público adulto: não porque em um dos planos iniciais somos surpreendidos por dois cachorrinhos de argila praticando "atos obscenos" (primeiro momento cômico do longa), mas pela realidade triste e apática que se desenvolve na tela quando nos é apresentada a vida dos melancólicos personagens. Mas mais importante que esse aspecto dramático é o recurso narrativo empregado de forma brilhante que, ressaltando a notável diferença entre os mundos de Mary (Collette) e Max (Hoffman) através da fotografia, se revela uma forma criativa e inteligente de retratar visualmente o quanto um personagem passa a ter influência sobre a vida do outro, além de transmitir informações esclarecedoras sobre cada um.

Com um roteiro que tem como base uma história verídica (assim informa a legenda), a animação narra, obviamente, a história da pequena Mary e de Max que tem início no ano de 1976, quando os dois personagens começam, de forma quase acidental, a trocar correspondências. Filha de uma mãe alcoólatra e de um pai ausente, Mary é de certo modo uma criança inadequada e triste, não muito diferente de Max, um homem solitário que, portador da Síndrome de Asperger, tem dificuldades de interagir com pessoas e manter um convívio social - e através de cartas, os dois personagens passam a nutrir uma amizade e a interferir um na vida do outro quase que involuntariamente.

Escrito e dirigido por Adam Elliot, o filme é quase que inteiramente narrado por um voz over onisciente (Humphries) que, vez ou outra, dá lugar para o que está escrito nas cartas dos personagens - porém, a figura do narrador (geralmente controversa) é utilizada no sentido de enriquecer a narrativa e explorar o mundo desses dois personagens às vezes pela exposição da vida destes com seus sentimentos e idéias, e outras, pela ironia - mas mesmo com a narração, o roteiro se encarrega de desenvolver a relação de Mary e Max de forma interessante: além das cartas, estes trocam presentes e objetos, e passam a expressar suas experiências sensíveis através destes (a exemplo, Mary descreve o cheiro de Max pelos objetos enviados por este), e assim, ambos passam a influir um na vida do outro: em certo momento da animação, podemos perceber que Mary está tão inclinada a aprender com Max, que passa a usar o "P.S." no final das cartas, imitando-o (algo que, confesso, achei muito bonitinho!); da mesma forma, a cada carta enviada por ela, Max sofre crises de ansiedade e se ver obrigado a enfrentar seus traumas para continuar a se corresponder com a menina.

Realizada através da técnica de animação stop motion (que consiste na captação de imagens reais quadro a quadro), o filme possui uma composição visual interessantíssima e nada gratuita que contribui diretamente para o desenvolvimento da história, um trabalho competente da equipe de design de produção. Trabalhando em conjunto, a Direção de Arte, os fotógrafos e figurinistas procuraram estabelecer ambientes e imagens informativas através de recursos, que como já disse, foram muito bem empregados. Dessa forma, os visuais e as características físicas das personagens se apresentam como pistas importantes sobre estes: como as olheiras de Max, que indicam seu estado mental, a tontura e o olhar baixo de Vera (mãe de Mary), que revelam seu estado de consciência - não muito diferente, os cenários são muito expressivos a ponto de a NY residida por Max parecer uma cidade bastante deprimente, não ganhando apenas de seu apartamento que, pouco mobiliado e com paredes sujas, compõe um retrato tão triste quanto o do seu morador. O mais fascinante do filme, no entanto, reside justamente na justaposição das imagens da vida de Mary e de Max que, com suas fotografias diferenciadas, induz inevitavelmente a uma comparação da vida destes - os "mundos" de cada um são retratados por colorações e paletas diferenciadas: a vida de Mary na Austrália é traduzida quase que inteiramente na cor sépia, quase monocromática, mergulhada em um profundo marrom triste e indicando pouca vida (a própria Mary diz que sua cor preferida é o marrom, o que não deixa de ser um detalhe irônico); enquanto a Nova York de Max está sob um preto e branco que compõe uma atmosfera melancólica. O ponto alto dessa concepção visual está na "mistura" dos dois "mundos", quando Mary recebe os presentes de Max e vice-versa: os objetos enviados pela menina são coloridos, e aqueles enviados por Max são preto e branco, contrastando com as cores dos cenários dos respectivos personagens - o que é uma forma muito elegante de desenvolver a relação, o impacto e a influência de um personagem sobre o outro no passar dos anos.

Pode até ser uma percepção pessoal, mas os olhos esbugalhados da maioria dos personagens (inclusive os de uma galinha) parecem ser um detalhe desenvolvido para atenuar um pouco mais o aspecto cômico destes, o que cai muito bem, pois a animação aposta constantemente no humor (geralmente negro) através de inserts de natureza cômica (num ótimo e ágil trabalho do editor Bill Murphy): enquanto a narração relata que o vizinho de Mary perdeu a perna, somos surpreendidos pela imagem que mostra o determinado momento da mutilação em uma simplicidade cômica. Em contraposição, a animação é cheia de momentos dramáticos e sérios, como a chocante e sombria morte de determinado personagem, e outros momentos de igual impacto - e todos esses instantes são muito bem pontuados pela trilha sonora brilhante de Dale Cornelius.

Por fim, a ótima direção de Adam Elliot resultou em uma animação incrível, repleta de sensibilidade e humor, fazendo jus ao gênero e explorado suas possibilidades ao máximo. Detalhes surpreendentes como a letra que falta em uma palavra escrita no texto de Max quando este está furioso ou a forma didática e ágil que o filme encontrou de apresentar a decadência do casamento de Mary (numa seqüência que faz referência a outra similar do grande clássico Cidadão Kane) fazem deste filme um grande exemplar do gênero. Contando com um final lindíssimo e comovente, que apenas nos confirma a ligação dos dois personagens, descobrimos que Mary e Max não foram importantes um na vida do outro, foram fundamentais.

Cotação: Excelente

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