O fragmento de filme a ser observado desta vez (vídeo no final do texto) trata-se de um dos mais famosos e engenhosos planos-sequência da história do cinema, extraído do magnífico noir A Marca da Maldade, de Orson Welles - do qual prefiro chama de Touch of Evel por seu título original fazer mais jus ao complexo personagem Hank Quilan. No filme, acompanhamos o conflito ético profissional entre Ramon Miguel Vargas (Charlton Heston), um chefe de polícia mexicano em lua-de-mel em uma pequena cidade da fronteira dos EUA com o México, e Quilan, um detetive de preceitos morais bem particulares. A complexa trama tem início com um assassinato na fronteira entre os dois países, o que leva às investigações por profissionais de ambos os lados da fronteira. Enquanto Ramon tenta dar os primeiros passos na busca pelo autor do assassinato e presencia os comportamentos que indicam suspeitas condutas de Quilan, sua recém-esposa Susan Vargas (Janet Leigh) é interceptada por bandidos de uma quadrilha local em retaliação à recente prisão do líder do bando executada pelo chefe de polícia mexicano.
Abrindo o filme de maneira grandiosa e impactante, a sequência em questão mostra como ocorre o assassinato ao registrar o momento em que uma bomba é colocada em um carro estacionado em um determinado local da pequena cidade fronteiriça e o percurso vagaroso e tenso do automóvel, passando por ruas movimentadas como se fosse um presságio ruim de morte, até o outro lado da fronteira, onde finalmente explode. O preciso plano-sequencia tem como a mais óbvia função, dentre tantas outras, expor com clareza geográfica como ocorre o assassinato ao registrar ininterruptamente o percurso da bomba implantada no porta-malas do carro que é conduzido por seus ingênuos passageiros até o outro lado da fronteira, os EUA. Não se esquecendo do realismo que, em geral, planos dessa natureza empregam, se analisarmos bem podemos perceber também que a atenção da câmera ao carro gera um crescente de tensão por conta do contraponto entre a urgência provocada pela nossa consciência a respeito do artefato explosivo e a impressão de lentidão e de imobilidade ocasionados pela não variação do ponto de vista, ou seja, a limitação do nosso olhar àquele único plano que, mesmo se movendo para as laterais ou tomando ângulos altos, está longe de reproduzir a mesmo urgência e velocidade que um corte de um plano para outro consegue imprimir.
Esse suspense acentua-se, sobretudo, quando o plano passa a tomar como foco um tranquilo casal que passeia pela rua da cidade e que passa a ter como companhia constante e coincidente o tal carro que está prestes a explodir. De forma quase sádica, somos levados a acompanhar aquele casal que, a passos tranquilos, mal imaginam a iminência de uma tragédia. Particularmente, senti uma ponta de humor negro ao constatar que, sempre que o carro parece finalmente se afastar do casal, somos surpreendidos por novamente o veículo surgir como uma indesejável companhia aos personagens já tão caros a câmera naquele instante.
Se observarmos com bastante atenção, nossa empatia pelo casal que caminha tranquilamente pela rua da pequena cidade ocorre justamente porque estes, ao contrário do casal que estar no carro e que tem maior chance de sofrer as consequências do atentado, passam a ser o foco da câmera, como pode ser percebido no minuto 01:10 do vídeo. Por outro lado, o casal do carro perde a atenção e importância da lente logo no início do plano, mais exatamente no minuto 00:20, quando passamos a segui-los a distância e por um ângulo alto, que, por que não, expressivo de certa opressão (o carro com seus passageiros está prestes a explodir).
Retomando o foco ao casal principal, quando percebemos que estes finalmente se veem livres da ameaça da bomba que a qualquer momento explodirá, os dois iniciam um rápido diálogo romântico que é imediatamente cessado com um beijo do apaixonado casal. Beijo este que é seguidamente interrompido tanto pela explosão do carro ao longe quanto pelo corte para o plano que mostra o incêndio. A justaposição dos dois planos (o beijo e a explosão) chega a sugerir certa ironia pelo contraponto da delicadeza do ato do primeiro e a manifestação violenta e ruidosa do segundo. São um mexicano e uma estadunidense que se beijam e provocam, sob uma perspectiva literal, uma explosão. A união de dois lados que, em suas diferenças, provocam um choque. México e EUA, uma das maiores fronteiras do mundo que até hoje é sinônimo de morte, intolerância e preconceito. Não à toa, durante quase todo o longa, Ramon Vargas é vítima do preconceito de Hank Quilan, e a animosidade entre eles já se inicia pelas suas naturalidades, mesmo que isso fique mais perceptível por parte do personagem de Welles.
Ocorrida a explosão, estamos diante de um intricado complexo de uma trama que vai muito mais além de tudo o que vemos nessa grandiosa sequência e que busca se aprofundar no estudo da natureza humana e sua corruptibilidade.
Esse suspense acentua-se, sobretudo, quando o plano passa a tomar como foco um tranquilo casal que passeia pela rua da cidade e que passa a ter como companhia constante e coincidente o tal carro que está prestes a explodir. De forma quase sádica, somos levados a acompanhar aquele casal que, a passos tranquilos, mal imaginam a iminência de uma tragédia. Particularmente, senti uma ponta de humor negro ao constatar que, sempre que o carro parece finalmente se afastar do casal, somos surpreendidos por novamente o veículo surgir como uma indesejável companhia aos personagens já tão caros a câmera naquele instante.
Se observarmos com bastante atenção, nossa empatia pelo casal que caminha tranquilamente pela rua da pequena cidade ocorre justamente porque estes, ao contrário do casal que estar no carro e que tem maior chance de sofrer as consequências do atentado, passam a ser o foco da câmera, como pode ser percebido no minuto 01:10 do vídeo. Por outro lado, o casal do carro perde a atenção e importância da lente logo no início do plano, mais exatamente no minuto 00:20, quando passamos a segui-los a distância e por um ângulo alto, que, por que não, expressivo de certa opressão (o carro com seus passageiros está prestes a explodir).
Retomando o foco ao casal principal, quando percebemos que estes finalmente se veem livres da ameaça da bomba que a qualquer momento explodirá, os dois iniciam um rápido diálogo romântico que é imediatamente cessado com um beijo do apaixonado casal. Beijo este que é seguidamente interrompido tanto pela explosão do carro ao longe quanto pelo corte para o plano que mostra o incêndio. A justaposição dos dois planos (o beijo e a explosão) chega a sugerir certa ironia pelo contraponto da delicadeza do ato do primeiro e a manifestação violenta e ruidosa do segundo. São um mexicano e uma estadunidense que se beijam e provocam, sob uma perspectiva literal, uma explosão. A união de dois lados que, em suas diferenças, provocam um choque. México e EUA, uma das maiores fronteiras do mundo que até hoje é sinônimo de morte, intolerância e preconceito. Não à toa, durante quase todo o longa, Ramon Vargas é vítima do preconceito de Hank Quilan, e a animosidade entre eles já se inicia pelas suas naturalidades, mesmo que isso fique mais perceptível por parte do personagem de Welles.
Ocorrida a explosão, estamos diante de um intricado complexo de uma trama que vai muito mais além de tudo o que vemos nessa grandiosa sequência e que busca se aprofundar no estudo da natureza humana e sua corruptibilidade.
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