sexta-feira, 20 de maio de 2011

Crítica: Aurora

Sunrise: A Song of Two Humans (EUA, 1927), dirigido por F.W. Murnau, escrito por Hermann Sundermann, Carl Meyer, e outros; com George O'Brien, Janet Gaydor, Margaret Livingston, Bodil Rosing, e outros.

AuroraUm dos grandes nomes do cinema expressionista alemão, F. W. Murnau desenvolvia como poucos a atmosfera opressiva e o suspense, por onde essa corrente do cinema de vanguarda por vezes levava o público. Diretor de grandes obras como Nosferatu e Fausto, o cineasta alemão teve sua primeira experiência em Hollywood através do convite da Fox Films, no ano de 1927, para a direção deste Aurora: o resultado foi uma improvável mistura de gêneros e estilos, mesmo que estes estivessem ainda se estabelecendo, mas que resultou num belíssimo trabalho considerado até a atualidade um dos melhores filmes da história do cinema.

Focando sua narrativa praticamente inteira no drama do casal de protagonistas, Murnau faz de Aurora um intenso longa-metragem sobre a reconciliação de um fazendeiro (O'Brien) e sua esposa (Gaynor) que viviam uma relação desgastada, enquanto o primeiro estava envolvido com uma bela e sofisticada moça da cidade (Livingston), para onde pretendiam fugir juntos. Seguindo um plano armado pela sua amante, o fazendeiro (não lhes foi dado nomes) tenta assassinar a própria mulher, mas não consegue. Arrependido e obstinado a receber o perdão, o homem tenta então reconquistá-la.

Por mais que a sinopse leve qualquer um a pensar se tratar de um típico melodrama hollywoodiano - e, de fato, trata-se de um, analisando o todo -, Aurora consegue abranger outros gêneros e desenvolver com força, por exemplo, os aspectos visuais e temáticos do cinema expressionista alemão, assim como o melodrama e a comédia, cada um em momentos praticamente distintos do filme. O primeiro e melhor ato do longa, portanto, é quase todo voltado ao suspense em torno do plano formulado pela amante para que o fazendeiro se livre de sua esposa, e são nesses instante que percebemos mais claramente a influência da corrente de origem do cineasta, pois são repletos de imagens sombrias, cenários escuros, noturnos e o forte contraste entre sombra e luz - que tornam o clima mais opressivo -, além do suspense empregado no momento em que o homem tenta assassinar sua esposa, elemento que Murnau arquiteta com maestria.

Além disso, o filme conta com quadros fortemente compostos e técnicas de efeitos especiais modernas para a Hollywood da época, como as fusões e efeitos de sobreposição de imagens, que foram perfeitamente eficazes para ilustrar, por exemplo, o poder de sedução da amante do fazendeiro sobre ele, ao sobrepor uma imagem de Livingston, como se esta estivesse envolvendo o personagem de O'Brien por trás. Contando também com uma trilha sonora envolvente e grandiosos cenários, Aurora peca apenas quando se entrega a comédia, mas ainda assim, tendo êxito em muitas das cenas cômicas, que foram inseridas de forma orgânica. Do contrário, a cena em que o fazendeiro, em um parque de diversão na cidade, corre atrás de um porquinho soou completamente gratuita.

Por outro lado, a preocupação do roteirista Hermann Sudermann (com a colaboração do importante Carl Meyer) em trabalhar os conflitos ou sentimentos dos personagens - em um grau até incomum para a época - enriqueceu profundamente o filme, seja ao apresentar o sentimento de culpa do protagonista ao perceber a gravidade do que havia tentado fazer contra a própria esposa ou o forte conflito interior do fazendeiro, ao incluir este imaginando a si próprio assassinando-a, e a notável perturbação e peso de consciência sentidos pelo personagem nesse instante. Da mesma forma, a reconciliação gradual do casal enquanto estes passeiam pela cidade rendeu cenas tocantes e que revelam a redescoberta de ambos do sentimento e importância que um tem para o outro - e a cena em que os personagem assistem a um casamento, juntamente àquela em que os dois se veem enciumados foram, particularmente, comoventes (apesar da segunda cena funcionar comicamente).

Mas o trabalho de Geoge O'Brien no papel do fazendeiro foi fundamental para essa composição: encarnando um homem que se encontra completamente seduzido pela mulher da cidade e que posteriormente se arrepende dos erros, o ator assume com êxito o principal arco dramático do filme. Enquanto isso, Janet Gaynor, no papel da esposa do fazendeiro, empresta naturalmente seu charme e doçura a personagem, levando o espectador a torcer por um final feliz para a mulher. Os dois atores, aliás, fizeram um belo casal, apresentando um ótima química e até uma certa naturalidade nas cenas de maior intimidade. Naturalidade, vale dizer, que não existe nas interpretações dos atores na época do cinema mudo, portanto, é comum a rejeição ou o distanciamento do espectador - acostumado com o cinema atual infinitas vezes mais sofisticado - em alguns momentos devido as fortes expressões dos atores.

Fruto de uma mistura que funcionou perfeitamente, Aurora consegue ser um drama, melodrama, suspense e comédia, se saindo relativamente mal no último e tendo seu ápice no suspense. Mas é graças ao roteiro comprometido com seus personagens e ao talento de F. W. Murnau que a história desses dois personagens foi capaz de tocar o público e se tornar inesquecível.

Cotação: Ótimo

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